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sexta-feira, maio 28, 2010

“Nocturno. O Romance de Chopin”, por Helena Vasconcelos *

Chopin - Centenário



“Nocturno. O Romance de Chopin”, Cristina Carvalho, Ed. Sextante, Lisboa, 2009/2010
Música, Paixão, Fogo e Cinzas

A figura extraordinária do músico e compositor Fréderic Chopin – cujo bicentenário de nascimento se comemora este ano – está indissoluvelmente ligado a um movimento artístico, social e político que deu pelo nome de Romantismo.
É claro que o termo romantismo e o adjectivo “romântico” tiveram um tal impacto na mente e na vida das pessoas que acabaram por se banalizar de uma forma quase escandalosa. Hoje em dia, oferecer flores ou levar a namorada/mulher/ amante a jantar à luz de velas, são considerados actos “românticos” e a música de Chopin é tocada amiúde em momentos bastante fúteis e vulgares, desmerecendo a arrebatadora qualidade da mesma e os complexos estados de alma que convoca. E se muitos advogam um regresso ao estado romântico puro, nesta nossa época considerada demasiado materialista e consumista, a verdade é que será difícil reviver esses tempos em que a paixão estava ligada à morte, em que as doenças ceifavam vidas muito cedo – o que tinha como consequência o aproveitamento obsessivo de cada momento – e o máximo da experiência erótica se misturava com a decadência física, principalmente provocada pela tuberculose.

Terá sido tudo isto que interessou a escritora portuguesa Cristina Carvalho. Fascinada com a personalidade e a obra de Chopin, passou longas horas a compilar informação – enquanto ouvia sem cessar as suas composições – e escreveu “Nocturno. O Romance de Chopin” que marca a efeméride e nos traz uma narrativa ficcionada mas com referências preciosas, incluindo cartas e outras fontes, totalmente fiéis à verdade histórica. É por essa razão que, para falar de Chopin, agora e sempre, é preciso pegar em “Nocturno” e seguir a corrente líquida e musical das suas palavras.
Cristina Carvalho começa por descrever os últimos dias de vida do compositor, assunto a que volta no final do livro. Chopin agoniza no esplêndido apartamento do número 12 Place Vendôme, em Paris. Sofre no corpo e na alma, está fraco e débil, tosse horrivelmente e tem hemorragias. O cansaço deixa-o sem forças e sente a falta da música, único alívio para as suas dores. A dedicada irmã Ludwika faz tudo para o acarinhar mas o fim está próximo. A sua fama atrai mais e mais gente e nos corredores, onde se sussurram preces e se trocam suspiros, há um corrupio de gente importante, de marquesas e duques, de cantoras e actrizes. A condessa Potocka, “A Grande Pecadora” e a cantora Jenny Lind procuram suavizar o sofrimento de Frederic que, no seu leito de enfermo, relembra a sua curta e intensa vida. Cristina Carvalho descreve com emoção essa viagem ao passado, ao ritmo das melodias encantatórias que o compositor imortalizou.
Chopin nasceu em Varsóvia em 1810 de mãe polaca e pai francês e desenvolveu as suas aptidões artísticas nesta mesma cidade durante os anos 20. Tinha dezasseis anos quando entrou para o Conservatório de Varsóvia onde teve como professor Józef Antoni Elsner que o encorajou a prosseguir uma carreira de virtuoso do piano e desenvolveu nele um interesse apaixonado pela cultura e música polacas tradicionais. Para completar a sua educação viajou até Berlim e Viena, deu os seus primeiros concertos mas não ficou particularmente impressionado com estas cidades. De regresso a Varsóvia, apaixonou-se perdidamente por outra estudante do Conservatório, Contantia Gladkowska, um sentimento que se pensa ter-lhe inspirado o magnífico andamento em F menor do Concerto para Piano nº 2.
Fréderic compôs ainda algumas obras para piano e orquestra bem como baladas de raízes folclóricas mas quando chegou a Paris, em Setembro de 1831, resolveu rejeitar decididamente a via mais convencional e lançou-se em composições cada vez mais complexas e sofisticadas. Enquanto a sua Pátria se debatia com tumultos e guerra civil, aventurou-se numa mudança de estilo e a composição das Mazurkas, Opus 6 e 7, dos Nocturnos, Opus 9, e dos Estudos, Opus 10 marcaram uma evolução técnica e estilística importante.
Paris era, naquele tempo, o lugar para onde convergiam todos os grandes artistas e Chopin foi recebido como um deles. Estabeleceu amizades com Berlioz, Bellini, Cherubini, Meyerbeer e Lizst enquanto o grande Mendelssohn o aplaudia veementemente, e passou a movimentar-se nos circuitos artísticos, privando de perto com Eugène Delacroix e Alfred de Vigny. No entanto, a sua carreira só começou realmente a dar frutos quando chamou a atenção da família Rothschild que o colocou sobre a sua protecção, financiando-o de forma a que pudesse dedicar-se inteiramente à composição. No plano sentimental, Chopin procurava o amor ardente que ele sabia transfigurar tão bem em melodias encantatórias. As mulheres eram fatalmente atraídas para aquele jovem frágil, sensível e genial. Marie, filha do Conde Wodzinski, foi uma delas mas a relação entre ambos, iniciada em 1835, não teve a aprovação dos pais da jovem. Maria era muito nova e Chopin era famoso mas pobre e tinha uma saúde frágil.( Fréderic guardou todas as cartas de Maria juntamente com as da própria mãe num envelope no qual escreveu as palavras polcas “Moja bieda” ou seja, “ O meu pesar”).
Os traços deste desgosto ficaram inscritos para a posteridade na famosa “Valsa do Adeus”, Opus 69, nº 1, escrita em Dresden e o compositor procurou alívio para as suas dores na pessoa de outra musa, a condessa polaca Delfina Potocka para quem compôs a famosa “Valsa Minute”.
Em Julho de 1837, o compositor visitou a Inglaterra principalmente com o intuito de obter um diagnóstico preciso sobre a sua condição física mas o veredicto foi terrível: estava tuberculoso e regressou a Paris com a devastadora notícia. Através de Liszt e da sua amante, a Condessa Marie d’Agoult tinha conhecido Aurore Amandine Dupin, que era conhecida como Georges Sand, escritora e patrona de artistas, famosa pelo seu pensamento e modos liberais e pelos seus dotes de sedutora. No início Chopin afirmou que tinha sentido repulsa por Sand mas esta rapidamente o conquistou. Por alturas do Verão de 1838, a relação amorosa entre ambos era já do domínio público. Os dois iniciaram um romance tempestuoso que durou dez anos. 
Cristina Carvalho, no já citado “Nocturno. O Romance de Chopin” não mostra grande simpatia por Maman Sand. Caprichosa e determinada, a escritora não dava descanso ao compositor, instando-o a trabalhar e envolvendo-o numa vida turbulenta que lhe prejudicava ainda mais a saúde. Critina Carvalho descreve com minucioso e assustador detalhe a viagem que os dois amantes empreenderam no Inverno (de 8 de Novembro de 1838 a 13 de Fevereiro de 1839) a Maiorca, na companhia dos dois filhos de Sand, Maurice e Solange, com o propósito de melhorar a saúde do compositor. O tempo estava muito mau, com chuva e frio, as autoridades alfandegárias não libertavam o piano Pleyel de Fréderic e as acomodações eram difíceis, uma vez que ninguém queria receber os amantes. Finalmente conseguiram alojamento no antigo convento em Valldemossa onde se gelava e as condições de sanidade eram péssimas. Chopin sofria horrivelmente e Sand, finalmente convencida, levou-o de volta a Marselha e, de seguida, para a sua casa de campo em Nohant onde finalmente ele pode compor em paz, enquanto a amante tratava dele com desvelos de mãe. No entanto, o idílio não tardou a deteriorar-se à medida que a saúde de Chopin piorava. Sand começou a dar sinais de impaciência, chamava a Chopin “ um filho a mais”, uma “criança”, “um doce anjo” e sentia-se presa num papel que ela era mais de enfermeira do que de companheira amorosa. Em 1847, a escritora publicou “Lucrezia Floriani”, onde as principais personagens eram decalcadas dela própria e de Chopin com alusões pouco abonatórias em relação ao músico. Esse facto contribuiu para o afastamento entre ambos e embora amigos comuns, como a cantora Pauline Viardot – que manteve a sua amizade por Chopin até à morte – tenham tentado uma reconciliação, esta nunca se deu e Sand parece ter-se esquecido completamente do compositor. Mais tarde, o Conde Grzymala que privara estreitamente com o grupo formado em torno de Sand daria voz à opinião de que a escritora teria “envenenado a vida do músico, e contribuíra para a encurtar”.
Com a deflagrar da Revolução de 1848, Chopin partiu para Inglaterra onde se esperava que partisse em digressão. Em Londres privou com Jenny Lind, a famosa soprano e abastada filantropa e reencontrou a sua antiga aluna e admiradora Jane Stirling que o acolheu no seu castelo na Escócia por o músico não estar em condições de tocar. São vários os historiadores que afirmam que Jane propôs casamento a Chopin mas que este recusou devido à sua pouca saúde. Jane não terá sido sua amante – nada o faz indicar – mas tornou-se a amiga fiel e, segundo Cristina Carvalho, a “mulher que mais o amou em silêncio”. Cada vez mais fraco e doente, acabou por ter de se confinar ao leito e, logo que pode voltou para Paris onde acabou por morrer em grande sofrimento, a 17 de Outubro de 1849.
Chopin foi um virtuoso do piano e muitas das suas obras foram compostas para serem executadas a solo. Prelúdios, Estudos, Valsas, Impromptus (Improvisos) e Scherzos, tal como as já mencionadas Danças Polacas, como as Mazurcas e as Polonesas fazem parte do corpus da sua produção, tal como as Baladas, um estilo livre e sonhador, uma espécie de corrente da consciência passada para música, que ele desenvolveu. A sua música é considerada extremamente inovadora, baseada em melodias que se entrechocam, cadências com tempos demorados e ocasionais incursões no mais puro cromatismo, entre outras experimentações, que tiveram como efeito o desbravar de um território que importantes compositores – como Liszt, Wagner, Débussy, Tchaikovsky, Rachmaninov entre outros – acabaram por seguir.
Sim, Chopin foi, talvez, o maior “romântico” de todos os tempos, como artista e como homem. Amou, escreveu música, lutou contra a doença e o declínio físico, experimentou as dores da rejeição, o fim das paixões e as agruras da doença num tempo de mudança, de tumultos e revoluções. A sua música, apaixonada e vibrante celebra a paixão, o amor e a vida ao mesmo tempo que recorda o abismo da morte e do esquecimento. Ao contrário do que muitos pensam, a sonoridade das suas obras não é sentimental mas sim sentida, violenta e simultaneamente melancólica. Frederic sabia que a existência na terra é curta, que os amores passam, que o fim chega sempre demasiado cedo e que só a arte perdura. 

Helena Vasconcelos*
[*Helena Vasconcelos nasceu em Lisboa, Portugal. Foi para a Índia com quatro anos e, desde então, nunca mais parou de viajar. Formada pela Faculdade de Letras; em Filologia Germânica pela Universidade Clássica Lisboa e em História de Arte na Escola Arco, Lisboa, tem como ocupações principais escrever, ler e viajar. É atualmente, e desde o primeiro número, colaboradora permanente da revista ELLE portuguesa. Colabora com o "Jornal Público" desde a sua fundação – suplemento cultural Y - tendo também trabalhado no jornal "O Independente". Promove ações de Formação na área de apoio e divulgação à Leitura em Bibliotecas Municipais, orientando Comunidades de Leitores em Bibliotecas e, desde há cinco anos, na Culturgest, em Lisboa. É promotora e dinamizadora de “Os Clássicos na Gulbenkian”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; organizou os ciclos de conferências da Feira do Livro de Lisboa de 2004 e de 2005 (com Paula Moura Pinheiro). Escreveu sobre Arte em vários jornais, catálogos e revistas da especialidade, dos quais se destacam Neue Kunst in Europa (Alemanha), Juliet (Itália). Publicou um livro de contos em 1988 “Não Há Horas para Nada” (Ed. Relógio D’Água) que recebeu o Prêmio Revelação do Centro Nacional de Cultura. Publicou “Mário Eloy. O Pintor do Desassossego”, Ed. Caminho. Contribuiu com “short stories” para várias revistas portuguesas e estrangeiras. Criou e dirige a revista on-line "Storm-Magazine. O lugar da cultura" - www.storm-magazine.com.]

Um comentário:

  1. Obrigada Literacia e seuus editores, por nos proporcionar tanto aprendizado, e intensa qualidade de material literario e cultural.
    Gostei imensamente desta Resenha sobre o Noturno de Chopin, parabéns a Autora.
    Eliza de Freitas Mello- Acre /Brasil

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